No contexto da engenharia de sistemas e da gestão de riscos, o termo Safety Case refere-se a um conjunto estruturado de argumentos e evidências documentais que demonstram que um sistema é seguro para uma aplicação específica e dentro de um determinado ambiente operacional. Esse conceito é amplamente utilizado em setores de alto risco, como nuclear, ferroviário, automotivo, aeroespacial, defesa e, mais recentemente, em sistemas críticos de software e infraestruturas digitais.
Embora não haja uma definição universal, um Safety Case normalmente é composto por três elementos principais:
- Reivindicações (claims) de segurança;
- Argumentos que sustentam essas reivindicações;
- Evidências que validam os argumentos com base em dados reais, análises técnicas e auditorias.
O objetivo é fornecer uma demonstração clara e rastreável de que os riscos associados ao sistema foram identificados, compreendidos, mitigados e estão sob controle.
Origem e evolução do conceito
O conceito de Safety Case surgiu no Reino Unido, no setor de energia nuclear, como resposta a desastres industriais e falhas de segurança. A ideia era garantir que empresas e órgãos reguladores pudessem comprovar, com base em evidências documentais e análises técnicas, que haviam tomado medidas suficientes para reduzir os riscos operacionais.
Com o tempo, o modelo foi adotado em setores como:
- Indústria de óleo e gás offshore, onde plataformas enfrentam riscos extremos;
- Ferrovia, especialmente na integração de novos sistemas de sinalização;
- Aviação, para certificar a segurança de aeronaves, softwares embarcados e aeroportos;
- Automotivo, como parte dos requisitos da norma ISO 26262 para segurança funcional.

Estrutura típica de um Safety Case
Embora existam variações dependendo da indústria e da norma aplicável, um Safety Case geralmente contém:
1. Declaração de escopo
Define o sistema sob análise, seu contexto operacional, fronteiras e limitações.
2. Objetivos de segurança
Define o que significa “seguro” naquele contexto, incluindo requisitos legais, normativos e específicos do projeto.
3. Estrutura de argumentos
Organiza logicamente as razões pelas quais o sistema é considerado seguro. Pode adotar modelos gráficos (como GSN – Goal Structuring Notation) ou textuais.
4. Evidências
Incluem resultados de análises de risco (HAZOP, FMEA, FTA), testes, simulações, inspeções e certificações de componentes.
5. Rastreabilidade
As evidências precisam estar claramente ligadas aos argumentos e objetivos de segurança, permitindo auditoria por terceiros.
Exemplo aplicado: software embarcado em veículos
Um software responsável por controlar a frenagem autônoma em veículos precisa passar por rigorosas análises de segurança funcional. O Safety Case nesse contexto pode conter:
- Uma descrição técnica da arquitetura do sistema de frenagem;
- Uma análise FMEA apontando falhas potenciais e sua severidade;
- Evidências de testes unitários e integrais;
- Argumentos sobre a conformidade com a norma ISO 26262;
- Uma avaliação independente da cadeia de fornecimento do software.
Esse conjunto forma um Safety Case capaz de justificar a liberação do sistema para produção em série.
Normas e frameworks associados
O uso de Safety Cases está intimamente ligado a normas internacionais que exigem comprovação formal de segurança. As principais incluem:
- ISO 26262 – Segurança funcional em veículos automotivos;
- IEC 61508 – Segurança funcional de sistemas elétricos/eletrônicos programáveis;
- ARP4754A / ARP4761 – Engenharia de sistemas na aviação;
- UK HSE Safety Case Regulations – Regulamentação específica do Reino Unido para instalações perigosas.
Essas normas não apenas exigem documentação de segurança, como também frequentemente exigem a criação de Safety Cases formais como critério para certificações.
Diferença entre Safety Case e Compliance
Embora ambos envolvam conformidade com requisitos, o Safety Case é diferente de simplesmente estar em compliance.
Aspecto | Safety Case | Compliance |
---|---|---|
Foco principal | Provar que o sistema é seguro | Demonstrar que os requisitos foram seguidos |
Tipo de evidência | Técnica, analítica, baseada em risco | Jurídica, normativa |
Flexibilidade | Alta (baseado em argumentos técnicos) | Baixa (baseado em regras fixas) |
Abordagem | Justificativa personalizada | Verificação padronizada |
Um sistema pode estar em conformidade com normas e ainda assim não ter segurança suficiente, caso não haja uma análise profunda de seus riscos e falhas — exatamente o que o Safety Case busca prevenir.
Aplicações modernas de Safety Cases em sistemas digitais
À medida que os sistemas críticos migraram do mundo físico para o digital, o conceito de Safety Case passou a ser cada vez mais aplicado em contextos como infraestrutura de TI, sistemas baseados em inteligência artificial, aplicações médicas, e sistemas ciberfísicos.
Safety Case em cibersegurança
Embora a segurança da informação (cybersecurity) e a segurança funcional (functional safety) sejam campos distintos, há uma crescente interseção entre os dois. Um ataque cibernético pode impactar diretamente a segurança de um sistema, colocando em risco não só dados, mas vidas humanas.
- Em ambientes como hospitais, onde equipamentos médicos estão conectados em rede, um ataque cibernético pode afetar respiradores, bombas de infusão e sistemas de diagnóstico.
- Um Safety Case moderno pode incluir evidências de que o sistema foi projetado para resistir a falhas tanto acidentais quanto maliciosas.
- Normas como a ISO/SAE 21434, voltada à cibersegurança veicular, já recomendam a integração de medidas técnicas ao lado de argumentos formais de segurança.
Safety Case para inteligência artificial
Sistemas baseados em IA representam um novo desafio na construção de Safety Cases, pois apresentam comportamento adaptativo e dificuldade de previsibilidade.
Imagine um software de IA responsável por triagem médica ou por conduzir um veículo autônomo:
- Como demonstrar, com argumentos e evidências, que o sistema é confiável em todas as condições previstas?
- Que tipo de teste ou simulação é suficiente para provar segurança?
Essas perguntas têm levado a avanços no uso de Safety Cases probabilísticos, onde as evidências são baseadas em modelos estatísticos, validação por conjuntos de dados massivos e limites definidos de operação segura (safe operational boundaries).
Empresas de tecnologia, startups de healthtech e desenvolvedores de robótica estão agora sendo pressionados por reguladores a construir Safety Cases até mesmo para algoritmos de machine learning, deep learning e sistemas baseados em redes neurais.
Benefícios de adotar um Safety Case
Mesmo fora dos contextos regulatórios obrigatórios, muitas empresas adotam Safety Cases como ferramenta estratégica para:
- Aumentar a confiança de investidores e clientes;
- Organizar as etapas de desenvolvimento sob a ótica da segurança;
- Facilitar auditorias internas e externas;
- Evitar falhas catastróficas e prejuízos reputacionais.
Além disso, à medida que regulações digitais como a LGPD, GDPR, NIS2 e ISO 27001 se tornam mais exigentes, o Safety Case surge como uma ponte útil entre conformidade legal, robustez técnica e transparência organizacional.
Conclusão
O conceito de Safety Case evoluiu de uma exigência regulatória para se tornar uma abordagem estratégica de engenharia de confiança. Em um mundo digital cada vez mais interconectado e repleto de riscos, saber demonstrar que um sistema é seguro deixou de ser um diferencial — e passou a ser uma necessidade.
Organizações que investem na construção de Safety Cases bem estruturados não apenas garantem maior segurança em seus sistemas, mas também ganham vantagem competitiva, ao mostrar compromisso com excelência técnica e responsabilidade social.
Um Safety Case é uma ferramenta estruturada para demonstrar que um sistema ou operação é suficientemente seguro para seu uso pretendido, com base em argumentos técnicos e evidências documentais. O conceito é amplamente aplicado em setores regulados e críticos, como aviação, automotivo, energia, defesa e, mais recentemente, em sistemas de software e inteligência artificial. Fonte: DomineTec.com.br
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